Nos últimos anos começaram a ser cultivadas no país variedades de cana obtidas a partir do cruzamento das espécies Saccharum officinarum e Saccharum spontaneum, denominadas cana-energia, que apresentam maior teor de fibras e robustez. Desenvolvidas por empresas como a GranBio e a Vignis e por instituições como o Instituto Agronômico (IAC), essas “supercanas” são apontadas como a solução para aumentar a produtividade dos canaviais do país, produzir etanol de segunda geração (o etanol celulósico) e elevar a cogeração de energia.
Embora muito mais produtivas do que a cana convencional, essas variedades de cana-energia até então têm sido destinadas à produção de etanol e de energia elétrica em razão da dificuldade de cristalizar a sacarose de seu caldo para produção de açúcar de mesa – o produto mais rentável para as usinas.
Dificuldade de cristalizar a sacarose
Um grupo de pesquisadores do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) desenvolveu uma levedura a partir da levedura comercial Pedra 2 – uma das mais utilizadas no Brasil para produção de etanol –, que possibilitou superar esse obstáculo. A patente da invenção foi depositada no início de junho de 2019, no Brasil, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
“O último obstáculo que faltava superar para a adoção em larga escala da cana-energia era a cristalização de sua sacarose para produzir açúcar de mesa”, disse Maria Carolina de Barros Grassi, coordenadora associada da divisão molecular e responsável pelo programa Cana-Energia no CTBE.
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De acordo com a pesquisadora, a proporção de frutose, glicose e sacarose na cana-energia é diferente da cana-de-açúcar tradicional. A “supercana” tem uma quantidade maior de glicose e frutose e menor concentração de sacarose no caldo em comparação com a cana convencional.
Além disso, enquanto na cana comum as moléculas de glicose e frutose estão unidas, formando as moléculas de sacarose, na cana-energia as moléculas de glicose e frutose estão separadas, o que impede a cristalização da sacarose para a fabricação do açúcar. A solução encontrada pelos pesquisadores do CTBE foi fazer mutações de alguns genes de uma levedura comercial já utilizada na indústria sucroalcooleira para consumir apenas glicose e frutose.
“Diminuindo a quantidade de glicose e frutose na fermentação conseguimos que o caldo da cana-energia fosse composto apenas por sacarose pura. Com isso, conseguimos cristalizá-lo”, explicou Grassi.
Maior produção por hectare
Segundo estimativas dos pesquisadores, é possível produzir 35 quilos de açúcar por tonelada de cana-energia com a levedura modificada contra 71 quilos por tonelada da cana convencional. Essa desvantagem comparativa é compensada com a produtividade da “supercana”, que pode ser três vezes maior que a da planta convencional.
Enquanto um hectare de cana convencional produz de 90 a 100 toneladas da planta com entre 13% e 14% de sacarose e açúcares totais, é possível produzir 180 toneladas de cana-energia na mesma área, com concentração de 8,5% de açúcar. Feitas as contas pelos pesquisadores, em um hectare de cana convencional são produzidas 11,6 toneladas de açúcar; na mesma área, plantada com a “supercana”, seria possível produzir 15,3 toneladas de açúcar.
“Como a produtividade da cana-energia por hectare é maior em comparação com a cana convencional, consequentemente, a quantidade não só de açúcar, mas também de etanol e de energia produzida será maior em razão da maior quantidade de folhas e bagaço disponível para queima”, afirmou Grassi.
Ela exemplifica: com um hectare plantado de cana convencional uma usina produz 8,2 toneladas de açúcar, 1,7 mil litros de etanol (a partir do melaço) e 5,6 megawatt-hora (MWh) de energia elétrica excedente. Já com um hectare plantado de cana-energia, uma usina produziria 8,1 toneladas de açúcar, 4,6 mil litros de etanol e 20 MWh de energia elétrica excedente. No caso de uma destilaria autônoma – que não produz açúcar – poderiam ser produzidos 9,2 mil litros de etanol e 20 MWh com cana-energia contra até 6,8 mil litros de etanol e 5,6 MWh por hectare com cana convencional, estimam os pesquisadores.
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“A cana-energia permite duplicar ou triplicar a área produtiva do país sem aumentar nenhum hectare, só com produtividade”, avaliou Gonçalo Pereira, diretor do CTBE e um dos inventores da tecnologia, juntamente com Paulo Eduardo Mantelatto, Jaciane Lutz Ienczak, Leandro Vieira dos Santos, Tassia Lopes Junqueira e Charles Dayan Farias de Jesus, todos eles pesquisadores do CTBE.
Atualmente há 25 mil hectares plantados com cana-energia no país por grupos como Zillor, Raízen, Odebrecht, Citrosuco e Caramuru. E empresas fabricantes de implementos, como a New Holland, têm trabalhado no desenvolvimento de máquinas para colher e plantar a “supercana” que, além da quantidade de folhas e bagaço, tem características distintas da cana convencional.
As raízes da cana-energia são mais densas do que as da cana comum, o que permite que a planta se fixe melhor no solo, absorva mais nutrientes, cresça mais rapidamente e estoque mais carbono. Além disso, a “supercana” apresenta maior quantidade de colmos, que são mais finos do que os da cana convencional, o que permite maior perfilhamento e adensamento da planta e, portanto, maior resistência à seca e ao pisoteio das máquinas colheitadeiras.
“A cana-energia seria uma solução para ter uma cana mais robusta, com maior quantidade de biomassa para produção de etanol de segunda geração e outros produtos químicos, além de bioletricidade”, avaliou.